quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Tempo

Era terça-feira, ele tinha 80 anos, as mãos já estavam bem enrugadas e dominadas pelas manchas. Coisas da idade.

Entrou na sala, abriu o caderno e tentou achar uma posição confortável para o lápis em sua mão. Estava ansioso pela primeira aula, afinal esperara 80 anos por aquele momento. Linhas mais largas e outras bem estreitas. Abrira seu primeiro caderno de caligrafia.

A primeira lição não poderia ser outra: a primeira letra do alfabeto, gordinha e impecavelmente redonda, um grande desafio àquelas mãos trêmulas. Era destro, mas a esquerda auxiliava o trabalho segurando o caderno com tanta intensidade que parecia que alguém logo ia roubá-lo.

A procura pelo “a” perfeito durou uma tarde, mas nas próximas aulas já demonstrava maior facilidade na “dança das mãos”, como ele chamava carinhosamente o movimento de escrever. Apesar da demora para adquirir o nível mínimo de habilidade e conhecimento que precisava, o tempo foi justo e aprendeu o necessário para surpreender Maria, sua esposa.

Na manhã do seu aniversário de casamento falou à Maria que tinha uma surpresa, mas para isso a esperaria sob árvore da praça central, às 15h. A árvore marcava o primeiro encontro e a primeira vez que ele pegou em suas mãos. Foi sob a mesma árvore que passaram as longas tardes de domingo, quando levavam os filhos ainda pequenos para tomar sol.

Maria chegou pontualmente às 15h e lá estava ele, com as mãos sujas. Ele saiu de frente da árvore. Lá deixou três letras dentro de um coração: P e M.

E foi sob a mesma árvore que as lágrimas escorreram pelo rosto de Maria de uma forma jamais vista por Paulo.



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