sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Maldito Murphy

Corria, corria, corria... O motorista do ônibus sequer notou que o desespero de Antonio, que estava atrasado para sua entrevista de emprego, a primeira, desde sua demissão em 2007.
Antônio acordou às 7h. Ele é vendedor, tem boa lábia, boa aparência, mas nenhuma sorte, ou, para os céticos, ele é muito atrapalhado. Tomou banho, barbeou-se, ligou o rádio, tomou café. Dia de sorte, pensou ele.
Sua camisa estava amassada, passou a camisa, costurou a calça e preparou o café. Passou manteiga no pão. O pão caiu, com a manteiga para baixo, na sua única camisa limpa. Antonio soltou um palavrão, daqueles bem feios.
Lei de Murphy: A probabilidade de o pão cair com o lado da manteiga virado para baixo é proporcional ao valor do carpete. No caso, da única camisa limpa.

Passou um pano e conseguiu dar um jeito na meleca. Terminou de comer. Estava adiantado, resolveu dar uma lida no currículo, lembrar de coisas interessantes para falar, pensou em habilidades que não tinha, mas que contaria pontos positivos na escolha do entrevistador.
- Falar inglês é sempre bom. É isso.
Treinou um “yes I speak English”. Estava preparado. Levantou do sofá e sentiu um frio nas nádegas. Tinha sentado sobre o pano que limpou a manteiga da camisa, sua calça ficou cheia de gordura. Nada escandaloso, porém perceptível.
Foi até o armário pegar outro pano, bateu o dedinho do pé na quina da mesa. E de lá soltou outro palavrão. Mais cabeludo que o primeiro.
Lei de Murphy: Acontecimentos infelizes sempre ocorrem em série.
Lei de Murphy: Mesmo o objeto mais inanimado tem movimento suficiente para ficar na sua frente e provocar uma canelada. O caso, uma dedada.

Já estava se atrasando.
Lei de Murphy: Tudo leva mais tempo do que todo o tempo que você tem disponível.

Saiu correndo para o ponto, viu o ônibus apontando na esquina. Correu mais, e mais, entretanto, o motorista sequer notou que o desespero de Antonio, que estava atrasado para sua entrevista de emprego, a primeira, desde sua demissão em 2007.
Lei de Murphy: Se alguma coisa pode dar errado, dará. E mais, dará errado da pior maneira, no pior momento e de modo que cause o maior dano possível.

Antonio chegou atrasado na entrevista. Não foi desta vez. Soltou um palavrão pior ainda.




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quinta-feira, 23 de julho de 2009

É confortável - Na íntegra

Parte I

Esse tal amor nos prega peças ao longo da vida. Um dia ele aparece puro e inocente e fica no portão de casa, com medo do flagrante pelo pai ou pela mãe. Aos poucos ele amadurece e nunca sabemos se o assunto tratado é o mesmo, nem sempre reconhecemos o que é o amor. Nos enganamos, nos enganam e em todo este período ele aparece em diversos aspectos.

De acordo com os dados do Registro Civil fornecido pelo IBGE, 17.349 pessoas se casaram em Curitiba em 2007, durante o mesmo período 1.987 divórcios foram concedidos e entre tantas pessoas poderia estar dona Angelique, mas não se divorciou, muito menos casou.

Aos 50 anos dona Angelique lembrava que já teve três namorados, um marido, quatro filhos e sete netos durante sua vida e segura de si esperava o dia em que a morte a pegaria pelas mãos e a levaria para sempre, em direção ao desconhecido.
Atualmente 50 anos é pouca coisa, mas dona Angelique se desgastou muito durante a vida. Ao encontrá-la qualquer pessoa daria 65 anos sem temer, pensando em fazer logo um elogio, pois aquela senhora certamente teria mais que isso.

Dona Angelique se tornou uma feia senhora, daquelas que crianças tremem ao encontrar pela rua. No ônibus os bebês choram ao perceber seu olhar seco e árduo.

Com as mãos mais enrugadas que o rosto, dona Angelique segurava a sua bengala e passeava pelo parque São Lourenço naquela manhã. Foi quando o viu correr. Seu coração disparou, segurou firme na bengala, respirou fundo e ajeitou o cabelo, com a esperança de melhorar alguma coisa.



Parte II
O desejo não tem idade, não tem cor, não tem gosto, não tem cheiro. Engana-se quem pensa que os velhinhos são todos como dona Angelique, que vive à espera do dia em que a morte bater em sua porta.

Naquela manhã dona Angelique entendeu o que é atração.

É com a atração que tudo começa. Essa palavra tão pequena provoca o primeiro beijo, a carona para casa, o convite para um jantar. É com a atração que o amor acontece, que o sexo acontece, que o compromisso acontece, talvez isso justifique o faturamento de R$21 bilhões da indústria de cosméticos em 2008, conforme a Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (Abihpec) . As pessoas procuram ficar bem para as outras, procuram se sentir belos.

Dona Angelique não tinha mais jeito, não havia cirurgia que melhorasse aquele rosto horrível. Mas naquela manhã ela não pensou muito nisso. Apenas admirou o monumento humano que ao correr parecia que dançava levemente sobre as nuvens.

Ela desejou. Nunca havia sentido isso, nem com seu falecido marido. O desejo corria por suas veias, passava por todos os seus órgão e por dois minutos se sentiu no céu, como se estivesse correndo com seu anjo sobre as nuvens.

O tempo começou a fechar e com a queda da primeira gota de chuva voltou à realidade, foi para casa e antes mesmo de sair do parque já pensava em antecipar a caminhada no dia seguinte.



Parte III

De acordo com o senso demográfico do IBGE, 23.953 mulheres com idade entre 60 e 64 anos residiam em Curitiba em 2000. Dona Angelique tem 50 anos, mas aparentemente faz parte desse grupo.

Na tarde que seguiu aquela manhã de flertes e desejo, dona Angelique sonhou acordada. Acostumada a cochilar às 15h respirou fundo antes de fechar os olhos e quando soltou o ar disse, com o tom de voz baixo, quase inaudível:
- O amor é confortável.

Depois de 50 anos foi entender o quanto é gostoso sentir o arrepio que passa por toda a coluna e inexplicavelmente vai parar no couro cabeludo, onde pousa por alguns segundos e de repente desaparece, deixando apenas o rosto rosado e uma agradável palpitação no coração. O sentimento, em qualquer que seja o seu formato, nos engana e ao decorrer de toda a vida é isso que manifesta a confusão do que realmente se sente.

O amor é confortável, mas não é para todos. É necessário que haja um certo grau de sensibilidade e humanismo, sem esses e alguns outros sentimentos não é possível sentir, não é possível permitir que se sinta, nem que sintam por nós.

É uma entrega, muitas vezes ingrata. Que pode acontecer a qualquer momento, como com dona Angelique.

Naquela tarde teve o sono mais agradável da sua vida.



Parte IV

Curitiba, 06 de março de 2007. Máxima prevista: 28ºC Mínima:20ºC
Sensação: 45ºC (na sombra)

Com esse calor Dona Angelique caminha no parque apenas pela manhã, antes das 9h e faz uma semana que não o encontra.

Ela estava um pouco cansada e sentou-se no banco, olhou para o lado direito e resmungou como todas as senhoras chatas fazem. Virou para o esquerdo e se assustou, lá estava ele, sentado ao seu lado e ela não sabia o que fazer, seu coração começou a bater mais forte, colocou um sorrisinho sem graça no rosto e fez de conta que não se importou com aquela aproximação tão desejada. De repente ele virou para ela e disse, como um bom curitibano:

- Que calor que faz nessa cidade!

Ela não sabia o que responder, mesmo o comentário simples. Será que falaria da sua pressão? A dúvida a torturava, mas conseguiu:

- Verdade, parece que cada ano piora.

Dona Angelique se saiu bem, e começaram a conversar. Ficaram pouco tempo, pois o sol estava cada vez mais forte e não tinha nenhuma nuvem no céu. O nome dele é Valentin, ao contrário de Dona Angelique ele parece ser mais novo.

Ouvir a voz dele foi mais que estar no céu.



Parte V

Durante a juventude dona Angelique não se preocupou em cultivar amizades. Em um determinado momento de sua vida achou que aquilo era uma grande falha, mas já era tarde. Não havia lista de telefones, não visitava amigos para tomar chá, café ou, quem sabe, uma boa cerveja.

Ela não era popular e mesmo que fosse sua personalidade não manifestava amizades. Não ter ninguém pode parece atraente em alguns dias, mas viver na profunda solidão aos 50 anos, sem ter alguém com idéias próximas o suficiente que renda dias e noites de tagarelice, parece tortura. Dona Angelique, além de uma senhora muito feia é muito chata, mas esta disposta a mudar isso para se aproximar de Valentin.

Hoje pela manhã, enquanto estava no parque o encontrou. Se cumprimentaram e ele continuou a correr. Mas logo voltou.

Quando o amor aparece precisa ser confortável, para que isso aconteça é necessário ser correspondido. Naquela manhã dona Angelique entendeu perfeitamente.



Parte VI - Final

Pi... Pí... Pi...

-Porque não se calam?! Porque não desligam essa porcaria que não para de apitar na minha cabeça?!

É 21 de junho de 2007, exatamente início de inverno. Valentin não conseguia falar e se irritava com um apito que parecia estar muito próximo de seu ouvido. Começou a pensar em dona Angelique. Não parava de pensar em dona Angelique.

Valentin não conseguia movimentar os pés. Queria sair correndo, mas além de imóvel estava tudo escuro, ele não conseguia gritar, não conseguia chamar por alguém para tirá-lo dali.

Exausto pelas tentativas mal sucedidas de se movimentar de qualquer maneira, caiu no mais profundo sono e sonhou.




Era início do inverno e Valentin corria no Parque São Lourenço. Ele a encontrou.
Dona Angelique segurava firme a sua bengala, estava mais corajosa que nunca. Sem falar uma palavra aproximou-se de Valentin, suspirou e com os olhos cheios de lágrimas deu-lhe um beijo na testa.
A calmaria chegou no seu coração e logo voltou a ouvir aquele apito irritante. Pi... Pi... Pi... E disse, em seu último suspiro:
- O amor é confortável.



Valentin passou os últimos cinco anos em coma, num hospital de Curitiba. Nunca conheceu dona Angelique, ela nunca existiu, mas o período desses cinco anos foi mais real e intenso do que já viveu longe daquele hospital.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

É confortável - Parte VI - Final

Esta é uma continuação de "É confortável - parte I, II, III, IV e V"





Pi... Pí... Pi...
-Porque não se calam?! Porque não desligam essa porcaria que não para de apitar na minha cabeça?!


É 21 de junho de 2007, exatamente início de inverno. Valentin não conseguia falar e se irritava com um apito que parecia estar muito próximo de seu ouvido. Começou a pensar em dona Angelique. Não parava de pensar em dona Angelique.

Valentin não conseguia movimentar os pés. Queria sair correndo, mas além de imóvel estava tudo escuro, ele não conseguia gritar, não conseguia chamar por alguém para tirá-lo dali.

Exausto pelas tentativas mal sucedidas de se movimentar de qualquer maneira, caiu no mais profundo sono e sonhou.





Era início do inverno e Valentin corria no Parque São Lourenço. Ele a encontrou.

Dona Angelique segurava firme a sua bengala, estava mais corajosa que nunca. Sem falar uma palavra aproximou-se de Valentin, suspirou e com os olhos cheios de lágrimas deu-lhe um beijo na testa.

A calmaria chegou no seu coração e logo voltou a ouvir aquele apito irritante. Pi... Pi... Pi... E disse, em seu último suspiro:
- O amor é confortável.

Valentin passou os últimos cinco anos em coma, num hospital de Curitiba. Nunca conheceu dona Angelique, ela nunca existiu, mas o período desses cinco anos foi mais real e intenso do que já viveu longe daquele hospital.



Fim



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segunda-feira, 18 de maio de 2009

O amor transforma

Deixei o celular para despertar às 6h45 (sempre deixo), mas voltei a dormir e o seu despertou às 7h, como programado todos os dias, até pensei que era mentira que você não estava ao meu lado. Virei para o seu lado, à minha esquerda, mas estava tudo arrumado, nesta manhã não fiquei te admirando, enquanto tentava levantar da cama. Não ouvi o "bom dia" mais preguiçoso e dengoso, aquele que faz cerca de um ano que me transforma lentamente. Nesta manhã você não estava lá.

Com o tempo nos acostumamos com cada detalhe, que a mera falta de uma manha desperta a saudade mais verdadeira e profunda que já senti. Nesta manhã não fiz café, acho que ele tem mais sabor com você, quando você senta à mesa comigo e começamos a prever o resto do dia, dizendo que temos reunião, ou tantas outras coisas para fazer. Nesta manhã não precisei lembrá-lo que a noite teremos aula, nem chamei a sua atenção lembrando que você ainda adia a academia.

Esta manhã senti saudade.


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segunda-feira, 11 de maio de 2009

Me desculpem!

Sei que as coisas estão paradas por aqui, mas prometo que em breve teremos novas postagens (além do meu pedido de desculpa).


Um beijo

terça-feira, 17 de março de 2009

É confortável - Parte V

Esta é uma continuação de "É confortável - parte I, II, III e IV"



Durante a juventude dona Angelique não se preocupou em cultivar amizades. Em um determinado momento de sua vida achou que aquilo era uma grande falha, mas já era tarde. Não havia lista de telefones, não visitava amigos para tomar chá, café ou, quem sabe, uma boa cerveja.

Ela não era popular e mesmo que fosse sua personalidade não manifestava amizades. Não ter ninguém pode parece atraente em alguns dias, mas viver na profunda solidão aos 50 anos, sem ter alguém com idéias próximas o suficiente que renda dias e noites de tagarelice, parece tortura. Dona Angelique, além de uma senhora muito feia é muito chata, mas esta disposta a mudar isso para se aproximar de Valentin.

Hoje pela manhã, enquanto estava no parque o encontrou. Se cumprimentaram e ele continuou a correr. Mas logo voltou.

Quando o amor aparece precisa ser confortável, para que isso aconteça é necessário ser correspondido. Naquela manhã dona Angelique entendeu perfeitamente.


* Continua.

quarta-feira, 11 de março de 2009

Banhar os pés

Este verão foi diferente. Não senti as águas do atlântico banhando meus pés, não assisti ao pôr do sol de camarote, não revi grandes amigos. Senti saudades.

Em novembro de 2007 saí de férias e no primeiro dia coloquei a mochila nas costas. Destino? Sim, eu tinha um, Ilha do Mel. Estive lá apenas duas vezes antes de novembro de 2007, mas nunca foi igual. Em novembro foi incrível. Estou com saudades.

Conheci pessoas, caminhei sobre cada pedacinho da ilha, vi cada figura, personalidades, estrangeiros, encontrei amigos. Aprendi muita coisa em pouco tempo. A vi lotada, deserta, em um dia de semana normal, em um final de semana agitado. Fui para ficar 15 dias, mas não sei quanto tempo fiquei. Amei aquele lugar, me senti em casa, com família. Sinto saudades.

O jardim era o resto do mundo com a paisagem mais bela que pude olhar, tinha música o dia inteiro e quando não era um pássaro era um violão, jamais esquecerei cada segundo daquele novembro de 2007. Sempre sentirei saudades.


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sexta-feira, 6 de março de 2009

É confortável - Parte IV

Esta é uma continuação de "É confortável - parte I, II e III"



Curitiba, 06 de março de 2007. Máxima prevista: 28ºC Mínima:20ºC
Sensação: 45ºC (na sombra)

Com esse calor Dona Angelique caminha no parque apenas pela manhã, antes das 9h e faz uma semana que não o encontra.

Ela estava um pouco cansada e sentou-se no banco, olhou para o lado direito e resmungou como todas as senhoras chatas fazem. Virou para o esquerdo e se assustou, lá estava ele, sentado ao seu lado e ela não sabia o que fazer, seu coração começou a bater mais forte, colocou um sorrisinho sem graça no rosto e fez de conta que não se importou com aquela aproximação tão desejada. De repente ele virou para ela e disse, como um bom curitibano:
- Que calor que faz nessa cidade!

Ela não sabia o que responder, mesmo o comentário simples. Será que falaria da sua pressão? A dúvida a torturava, mas conseguiu:
- Verdade, parece que cada ano piora.

Dona Angelique se saiu bem, e começaram a conversar. Ficaram pouco tempo, pois o sol estava cada vez mais forte e não tinha nenhuma nuvem no céu. O nome dele é Valentin, ao contrário de Dona Angelique ele parece ser mais novo.

Ouvir a voz dele foi mais que estar no céu.



*Continua

domingo, 22 de fevereiro de 2009

Viagem de trem

De acordo com as estimativas da OMS, a esquizofrenia atinge cerca de 24 milhões de pessoas no mundo todo.

Eu passeava feliz, estava em um trem com a minha família, quando a velocidade em que os vagões percorriam sobre os trilhos começou a me assustar. Aquele momento foi decisivo.

Todos começaram a saltar do trem, mas minha irmã ficou. Eu não poderia deixá-la naquele vagão. Foi quando a agarrei e tentaria saltar com ela. Foi um ato de coragem e eu conquistei a vitória.

Lembro que era loira e aquele acidente destruiu o bairro de uma bela cidade. Eu ainda não tinha filhos, mas logo os viria Caroline, Albert e Stéphanie, nesta ordem. Sou uma atriz, me chamo Grace Kelly, sou a favorita de Alfred Hitchcock. Só não entendo porque as pessoas duvidam da minha história, não acreditam em mim.

Quando cheguei aqui contava sobre a perseguição que sofria, certamente um dia essas pessoas irão me encontrar e certamente não haverá quem duvide de mim. Ouço gritos que me apavoram, pioram toda a noite, certamente após a enfermeira me envenenar. Quando estou bem ela vem com remédios e mais remédios e meu medo aparece. Não quero falar com mais ninguém.

O acidente aconteceu na década de 50 e hoje passa na minha memória como um filme antigo. Você acredita em mim?


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domingo, 8 de fevereiro de 2009

Café

Ele apareceu sisudo na cafeteria (uma das melhores do Mercado Municipal de Curitiba), pediu o de sempre. Poucos minutos depois seu expresso estava pronto e lia o jornal do dia.

A capa anunciava a visita do presidente da República, Lula, e sua esposa Marisa ao vice-presidente José de Alencar, que retirou alguns tumores do abdome em janeiro e se recuperava no Hospital Sírio-Libanês, que fica em São Paulo. Enquanto o presidente e seu vice riam felizes na capa, muitas pessoas ainda dormiam em suas casas, algumas estavam no mesmo café que aquele senhor, outras não estavam. No verão as pessoas enchem as praias todo o final de semana, uns tentavam curar o porre de sábado com a última coca da geladeira, alguns casais acordavam e outros estavam acordados há horas, pois o filho recém-nascido desperta exatamente às 5h, inclusive no domingo.

Enquanto tudo isso acontecia o presidente da República e o então recuperado vice-presidente riam na capa dos jornais de domingo. Tudo parecia estar bem. Só saberemos como as coisas realmente estão quando explodirem nas capas de segunda-feira, onde até os jornais deixam de ser leves e se tornam reais.



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terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

É confortável - Parte III

Esta é uma continuação de "É confortável - parte I e II"



De acordo com o senso demográfico do IBGE, 23.953 mulheres com idade entre 60 e 64 anos residiam em Curitiba em 2000. Dona Angelique tem 50 anos, mas aparentemente faz parte desse grupo.

Na tarde que seguiu aquela manhã de flertes e desejo, dona Angelique sonhou acordada. Acostumada a cochilar às 15h respirou fundo antes de fechar os olhos e quando soltou o ar disse, com o tom de voz baixo, quase inaudível:
- O amor é confortável.

Depois de 50 anos foi entender o quanto é gostoso sentir o arrepio que passa por toda a coluna e inexplicavelmente vai parar no couro cabeludo, onde pousa por alguns segundos e de repente desaparece, deixando apenas o rosto rosado e uma agradável palpitação no coração. O sentimento, em qualquer que seja o seu formato, nos engana e ao decorrer de toda a vida é isso que manifesta a confusão do que realmente se sente.

O amor é confortável, mas não é para todos. É necessário que haja um certo grau de sensibilidade e humanismo, sem esses e alguns outros sentimentos não é possível sentir, não é possível permitir que se sinta, nem que sintam por nós.

É uma entrega, muitas vezes ingrata. Que pode acontecer a qualquer momento, como com dona Angelique.

Naquela tarde teve o sono mais agradável da sua vida.

* Continua.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

É confortável - Parte II

Esta é uma continuação de "É confortável - parte I"



O desejo não tem idade, não tem cor, não tem gosto, não tem cheiro. Engana-se quem pensa que os velhinhos são todos como dona Angelique, que vive à espera do dia em que a morte bater em sua porta.

Naquela manhã dona Angelique entendeu o que é atração.

É com a atração que tudo começa. Essa palavra tão pequena provoca o primeiro beijo, a carona para casa, o convite para um jantar. É com a atração que o amor acontece, que o sexo acontece, que o compromisso acontece, talvez isso justifique o faturamento de R$21 bilhões da indústria de cosméticos em 2008, conforme a Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (Abihpec) . As pessoas procuram ficar bem para as outras, procuram se sentir belos.

Dona Angelique não tinha mais jeito, não havia cirurgia que melhorasse aquele rosto horrível. Mas naquela manhã ela não pensou muito nisso. Apenas admirou o monumento humano que ao correr parecia que dançava levemente sobre as nuvens.

Ela desejou. Nunca havia sentido isso, nem com seu falecido marido. O desejo corria por suas veias, passava por todos os seus órgão e por dois minutos se sentiu no céu, como se estivesse correndo com seu anjo sobre as nuvens.

O tempo começou a fechar e com a queda da primeira gota de chuva voltou à realidade, foi para casa e antes mesmo de sair do parque já pensava em antecipar a caminhada no dia seguinte.



* Continua

sábado, 24 de janeiro de 2009

Sonho

Mal fechou os olhos e começou a sonhar. No primeiro sonho as pessoas estavam com traje espacial dentro de casa, quando de repente um ser conhecido como Mandalagueta passou pela porta da sala. Rita pegou sua super arma com raio contra Madalagueta e disparou contra o terrível ser, que resistiu e ainda se multiplicou, criando diversos Madalaguetas, cada vez mais resistentes e terríveis.

Rita decidiu aproveitar o último insucesso culinário, que estava tão ruim que nem a mãe dela conseguiu provar. Era uma bebida que ficou verde e muito ácida. Sugeriu que sua mãe Coralina pulasse a janela do segundo andar do sobrado, exatamente da sala onde estavam. Coralina e o covarde marido de Rita saltaram pela janela e Rita jogou o suco nos Madalaguetas que desapareceram para sempre.

O povo da cidade fez festa (tinha umas sete pessoas). Tirando o suco horrível que apareceu no sonho tudo certamente era irreal. Rita era solteira e sua mãe se chamava Ana. Usava óculos, tinha caspa no cabelo e não tinha sete pessoas na lista de contatos do celular e foi quando Rita decidiu mudar, queria ter uma cidade inteira festejando seus sucessos contra o mal.

Decidiu fazer academia, ficar forte, aprender artes marciais e depois de anos pediu para sua mãe costurar uma "fantasia" para ir a uma festa. Rita sabia que assumiria uma identidade secreta e nem sua mãe, única conhecida e amiga que tinha poderia saber que ela era a Super Super.

Não escolheu um nome muito criativo pois a criatividade se perdeu logo no seu nascimento. Inteligência ela tinha e como uma Super Super deve saber voar, Rita desenvolveu um turbo que a mantinha sobrevoando a cidade por até 30 minutos. Tempo suficiente para mudar de lugar e tirar a sua roupa de Super Super.

Rita acordou e continuou com sua vida pacata.


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quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

É confortável - Parte I

Esse tal amor nos prega peças ao longo da vida. Um dia ele aparece puro e inocente e fica no portão de casa, com medo do flagrante pelo pai ou pela mãe. Aos poucos ele amadurece e nunca sabemos se o assunto tratado é o mesmo, nem sempre reconhecemos o que é o amor. Nos enganamos, nos enganam e em todo este período ele aparece em diversos aspectos.

De acordo com os dados do Registro Civil fornecido pelo IBGE, 17.349 pessoas se casaram em Curitiba em 2007, durante o mesmo período 1.987 divórcios foram concedidos e entre tantas pessoas poderia estar dona Angelique, mas não se divorciou, muito menos casou.

Aos 50 anos dona Angelique lembrava que já teve três namorados, um marido, quatro filhos e sete netos durante sua vida e segura de si esperava o dia em que a morte a pegaria pelas mãos e a levaria para sempre, em direção ao desconhecido.

Atualmente 50 anos é pouca coisa, mas dona Angelique se desgastou muito durante a vida. Ao encontrá-la qualquer pessoa daria 65 anos sem temer, pensando em fazer logo um elogio, pois aquela senhora certamente teria mais que isso.

Dona Angelique se tornou uma feia senhora, daquelas que crianças tremem ao encontrar pela rua. No ônibus os bebês choram ao perceber seu olhar seco e árduo.

Com as mãos mais enrugadas que o rosto, dona Angelique segurava a sua bengala e passeava pelo parque São Lourenço naquela manhã. Foi quando o viu correr. Seu coração disparou, segurou firme na bengala, respirou fundo e ajeitou o cabelo, com a esperança de melhorar alguma coisa.

* Continua



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quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Climas ou Curitibas

É bonito ver a terra coberta de dourado. É sempre assim no verão, tudo é enriquecido pela cor e calor do sol. Até mesmo o cinza do asfalto permite que o dourado ganhe destaque.

Com o sol as roupas mais coloridas e frescas saem do armário, tudo fica mais quente. As pessoas ficam mais quentes, se aproximam mais, organizam mais eventos, conversam mais com os antigos amigos, bebem mais, dançam mais. No verão as pessoas ficam mais felizes. Elas parecem mais felizes.

No verão todo o mundo reclama que está muito quente, que chove, que transpira. Além de mais felizes as pessoas reclamam mais.

No inverno o cinza do céu domina todas as cores. O inverno é mais romântico, os jantares são melhores, as pessoas mais elegantes. Elas parecem mais românticas.

E aí reclamam do frio, que sempre está muito frio, que ninguém abre as janelas do ônibus, que precisam colocar muitas camadas de roupa. Além de mais românticas as pessoas reclamam mais.

No inverno as pessoas adoecem mais e reclamam, com todo o exagero possível, que não aguentam ficar tantas vezes doente. Os ossos dos idosos doem mais, de acordo com a intensidade do frio. Quanto mais frio, mais dor.

O mundo pode acabar com sol, chuva, frio, calor e independente da maneira que acabe, sempre terá um bom curitibano reclamando do clima, já que esse é o único assunto por aqui e confesso que o costume me faz pensar que não existe outra maneira de se aproximar de estranhos. Será que há?


Foto: Lida Rose

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009