Nunca reparei nos sons. Nunca até o ano passado.
Virei recepcionista em uma escola de música e aí, claro, como as outras 90% das pessoas vai se perguntar que instrumento sei tocar, mas não hesitarei em dizer mais uma vez: até nas palmas eu erro o ritmo.
Foi no silêncio daquela recepção e na harmonia das notas aprendi a ouvir. Foram dias sentada naquela cadeira e me empolgava com os alunos novos, que apareciam com as cordas novinhas e a afinação do violão não durava dois dias.
É sentir, sempre a emoção de aprender o primeiro acorde, o primeiro ritmo. É Fazer uma amizade. É com ele que você vai chorar, que vai cantar para seu amor, que vai festejar ao som de uma música alegre. É com ele que você vai brigar e vai colocar a culpa nele em algum momento, falar que ele é o errado.
Pouco tempo depois, você olhará para ele e vai admitir que a culpa é sua. A falta de conhecimento é sua e, para não te deixar para baixo, ele estará melhor do que nunca e vocês festejarão, mais uma vez.
No tempo que trabalhei na escola aprendi a ouvir. Naquele tempo aprendi a falar. Aprendi que não é apenas o cachorro o melhor amigo do homem, o instrumento musical também tem esse papel.
Agora olhe para o seu primeiro violão, o mais barato, o mais detonado, o mais amado.
Aquele é teu bom e velho amigo, que ouviu tantos palavrões, foi colocado de lado algumas vezes, mas aguarda ansioso por suas mãos.
hibiscus mutabilis
terça-feira, 3 de maio de 2011
quinta-feira, 9 de setembro de 2010
Se
Se eu morrer, que seja de alegria.
Que eu me afogue na melhor gargalhada de minha vida.
E que a gargalhada mortífera seja treinada diariamente.
Se eu sofrer, que seja de cãibra.
Que meu divertimento seja bom o suficiente para deixar suas marcas.
E que cada momento seja eternizado em um músculo que contorna os meus lábios.
E se eu não rir, prefiro não morrer de tristeza nem sofrer de solidão.
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Que eu me afogue na melhor gargalhada de minha vida.
E que a gargalhada mortífera seja treinada diariamente.
Se eu sofrer, que seja de cãibra.
Que meu divertimento seja bom o suficiente para deixar suas marcas.
E que cada momento seja eternizado em um músculo que contorna os meus lábios.
E se eu não rir, prefiro não morrer de tristeza nem sofrer de solidão.
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sexta-feira, 3 de setembro de 2010
Tempo II
Eu tenho uma amiga que não vive nesse mundo. Raramente consigo falar com ela: não atende o celular, não responde os e-mails, não tem Orkut, Facebook e afins. Ela mora em uma cidade vizinha da minha, então nem encontrá-la no mercado é possível, mas ela é minha amiga.
Apesar desse isolamento dos canais de comunicação, quando consigo algum contato, seja por sinal de fumaça, código morse, telegrama ou um telefonema atendido lá pela 20ª tentativa, marcamos nossos encontros e eles sempre rendem boas conversas e deliciosas risadas.
Nunca fui à sua casa e ela nunca foi à minha, mas nem por isso ela deixa de ser a minha amiga. Se eu ficar mais de uma semana sem tentar contato, logo recebo um SMS, com sua reclamação sobre a falta de atenção e uma declaração de sua saudade.
Isso faz eu lembrar dos tempos de escola. Eu morava a 100 metros da escola onde estudei por sete anos e lá tive um grupo de amigas. Um ótimo grupo de amigas.
Eram de lá as amigas que brincavam de “casinha”, Barbie ou que estiveram presentes nos primeiros tombos de roller. Foi com as mesmas amigas que deixei parte desses brinquedos de lado passamos para as bicicletas e para o vôlei, o nosso preferido por anos.
Sempre estudei de manhã e nos dias mais quentes, quando éramos dispensadas mais cedo, saíamos da escola e ficávamos sentadas na grama que tinha na frente da minha casa, jogando papo fora, contando os “causos” da nossa vida, jogando com a "brincadeira do copo" (aquela que você teoricamente evoca os espíritos e eles respondem algumas perguntas). Nesses encontros, eu, muito receptiva, corria para dentro de casa e fazia um suco (de pacotinho mesmo) e elas adoravam. Não tenho certeza, mas o apelido de “suco” deve ter aparecido aí:
- Suco, faz um suco para nós – e todas caíam na risada.
Depois do almoço nos encontrávamos na frente da minha casa ou em qualquer rua do grande Bairro Alto e passávamos a tarde inteira jogando vôlei, isso quando não saíamos de bicicleta em uma grande aventura.
Naquele tempo não tínhamos e-mail, as redes sociais não existiam, computador era coisa de rico e celular era coisa de cinema, mas sempre nos encontrávamos e nem por isso elas deixaram de serem minhas amigas.
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Apesar desse isolamento dos canais de comunicação, quando consigo algum contato, seja por sinal de fumaça, código morse, telegrama ou um telefonema atendido lá pela 20ª tentativa, marcamos nossos encontros e eles sempre rendem boas conversas e deliciosas risadas.
Nunca fui à sua casa e ela nunca foi à minha, mas nem por isso ela deixa de ser a minha amiga. Se eu ficar mais de uma semana sem tentar contato, logo recebo um SMS, com sua reclamação sobre a falta de atenção e uma declaração de sua saudade.
Isso faz eu lembrar dos tempos de escola. Eu morava a 100 metros da escola onde estudei por sete anos e lá tive um grupo de amigas. Um ótimo grupo de amigas.
Eram de lá as amigas que brincavam de “casinha”, Barbie ou que estiveram presentes nos primeiros tombos de roller. Foi com as mesmas amigas que deixei parte desses brinquedos de lado passamos para as bicicletas e para o vôlei, o nosso preferido por anos.
Sempre estudei de manhã e nos dias mais quentes, quando éramos dispensadas mais cedo, saíamos da escola e ficávamos sentadas na grama que tinha na frente da minha casa, jogando papo fora, contando os “causos” da nossa vida, jogando com a "brincadeira do copo" (aquela que você teoricamente evoca os espíritos e eles respondem algumas perguntas). Nesses encontros, eu, muito receptiva, corria para dentro de casa e fazia um suco (de pacotinho mesmo) e elas adoravam. Não tenho certeza, mas o apelido de “suco” deve ter aparecido aí:
- Suco, faz um suco para nós – e todas caíam na risada.
Depois do almoço nos encontrávamos na frente da minha casa ou em qualquer rua do grande Bairro Alto e passávamos a tarde inteira jogando vôlei, isso quando não saíamos de bicicleta em uma grande aventura.
Naquele tempo não tínhamos e-mail, as redes sociais não existiam, computador era coisa de rico e celular era coisa de cinema, mas sempre nos encontrávamos e nem por isso elas deixaram de serem minhas amigas.
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quarta-feira, 1 de setembro de 2010
Perfume
Será que não podemos falar sobre como foi o nosso dia, sobre os nossos planos, o quão interessante foi assistir a última estreia ou sobre qualquer bobeira do trânsito caótico das 18h?
A verdade é que esse seu silêncio me sufoca e me emudece. Seu anonimato me mata pouco a pouco através do ardor em meu peito e eu nem lembro mais da sua voz, do seu cheiro, das suas preferências. Essas coisas se dissipam como um perfume lançado ao ar: marcante e envolvente, mas frágil. Um vento fraco é capaz de encorajar a fuga do odor e mesmo que seja o melhor, muito dele será esquecido. E o que fica?
Fica que ele é o melhor, oras. Bastará aspergir um pouco da essência que a memória volta e ele será, mais uma vez, o melhor.
Nossa amizade é como o perfume. Lembra de quando falei sobre a aspersão?
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A verdade é que esse seu silêncio me sufoca e me emudece. Seu anonimato me mata pouco a pouco através do ardor em meu peito e eu nem lembro mais da sua voz, do seu cheiro, das suas preferências. Essas coisas se dissipam como um perfume lançado ao ar: marcante e envolvente, mas frágil. Um vento fraco é capaz de encorajar a fuga do odor e mesmo que seja o melhor, muito dele será esquecido. E o que fica?
Fica que ele é o melhor, oras. Bastará aspergir um pouco da essência que a memória volta e ele será, mais uma vez, o melhor.
Nossa amizade é como o perfume. Lembra de quando falei sobre a aspersão?
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sexta-feira, 20 de agosto de 2010
Perguntas
Queria que não existisse despedidas definitivas. Assim manteria viva a da esperança do reencontro. Mas até que ponto essa ilusão é válida? Questionou ela ao ver aquele álbum surrado pelo tempo.
E se não fossem as fotos, lembrar-me-ia de todos com tanta veracidade? E se ninguém tiver fotos minhas? Alguém nesse mundo sentirá saudades de mim? E a saudade tem validade?
As dúvidas não cessaram, mas problema maior foi a saudade que as respostas deixaram às perguntas.
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E se não fossem as fotos, lembrar-me-ia de todos com tanta veracidade? E se ninguém tiver fotos minhas? Alguém nesse mundo sentirá saudades de mim? E a saudade tem validade?
As dúvidas não cessaram, mas problema maior foi a saudade que as respostas deixaram às perguntas.
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quinta-feira, 19 de agosto de 2010
Tempo
Era terça-feira, ele tinha 80 anos, as mãos já estavam bem enrugadas e dominadas pelas manchas. Coisas da idade.
Entrou na sala, abriu o caderno e tentou achar uma posição confortável para o lápis em sua mão. Estava ansioso pela primeira aula, afinal esperara 80 anos por aquele momento. Linhas mais largas e outras bem estreitas. Abrira seu primeiro caderno de caligrafia.
A primeira lição não poderia ser outra: a primeira letra do alfabeto, gordinha e impecavelmente redonda, um grande desafio àquelas mãos trêmulas. Era destro, mas a esquerda auxiliava o trabalho segurando o caderno com tanta intensidade que parecia que alguém logo ia roubá-lo.
A procura pelo “a” perfeito durou uma tarde, mas nas próximas aulas já demonstrava maior facilidade na “dança das mãos”, como ele chamava carinhosamente o movimento de escrever. Apesar da demora para adquirir o nível mínimo de habilidade e conhecimento que precisava, o tempo foi justo e aprendeu o necessário para surpreender Maria, sua esposa.
Na manhã do seu aniversário de casamento falou à Maria que tinha uma surpresa, mas para isso a esperaria sob árvore da praça central, às 15h. A árvore marcava o primeiro encontro e a primeira vez que ele pegou em suas mãos. Foi sob a mesma árvore que passaram as longas tardes de domingo, quando levavam os filhos ainda pequenos para tomar sol.
Maria chegou pontualmente às 15h e lá estava ele, com as mãos sujas. Ele saiu de frente da árvore. Lá deixou três letras dentro de um coração: P e M.
E foi sob a mesma árvore que as lágrimas escorreram pelo rosto de Maria de uma forma jamais vista por Paulo.
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Entrou na sala, abriu o caderno e tentou achar uma posição confortável para o lápis em sua mão. Estava ansioso pela primeira aula, afinal esperara 80 anos por aquele momento. Linhas mais largas e outras bem estreitas. Abrira seu primeiro caderno de caligrafia.
A primeira lição não poderia ser outra: a primeira letra do alfabeto, gordinha e impecavelmente redonda, um grande desafio àquelas mãos trêmulas. Era destro, mas a esquerda auxiliava o trabalho segurando o caderno com tanta intensidade que parecia que alguém logo ia roubá-lo.
A procura pelo “a” perfeito durou uma tarde, mas nas próximas aulas já demonstrava maior facilidade na “dança das mãos”, como ele chamava carinhosamente o movimento de escrever. Apesar da demora para adquirir o nível mínimo de habilidade e conhecimento que precisava, o tempo foi justo e aprendeu o necessário para surpreender Maria, sua esposa.
Na manhã do seu aniversário de casamento falou à Maria que tinha uma surpresa, mas para isso a esperaria sob árvore da praça central, às 15h. A árvore marcava o primeiro encontro e a primeira vez que ele pegou em suas mãos. Foi sob a mesma árvore que passaram as longas tardes de domingo, quando levavam os filhos ainda pequenos para tomar sol.
Maria chegou pontualmente às 15h e lá estava ele, com as mãos sujas. Ele saiu de frente da árvore. Lá deixou três letras dentro de um coração: P e M.
E foi sob a mesma árvore que as lágrimas escorreram pelo rosto de Maria de uma forma jamais vista por Paulo.
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